La Casa de Papel: o que a série ensina sobre seu bolso?

Você já assistiu à série La Casa de Papel? Se não, fica tranquilo que não vou dar spoiler (até porque ainda não terminei de ver!). Se sim, você pode ter ficado com a impressão de que a ideia de roubar dinheiro da Casa da Moeda não é tão ruim quanto roubar de alguém, já que aquele dinheiro não é de ninguém, certo? Redondamente errado.

Essa ideia de que roubar da Casa da Moeda não é tão grave é parecida com aquela ideia de que um político desviar dinheiro público de uma obra é menos importante do que um crime violento. Vamos entender o que acontece com o dinheiro da Casa da Moeda para ver qual o impacto deste tipo de roubo e quem sai prejudicado?

Primeiro, é importante entender que as cédulas de dinheiro não têm valor por si mesmas. Seu valor depende do quanto aquele número impresso consegue comprar. Além disso, só é possível comprar algo com uma nota se toda a sociedade aceitar que aquele dinheiro é válido. Ou seja, não basta ter a cédula na mão para conseguir trocá-la. Se eu tirar uma nota de 100 cruzeiros da carteira, ninguém vai aceitar. Ou mesmo se eu quiser usar uma nota de 20 libras esterlinas na padaria aqui da esquina, não vou conseguir, ainda que seja uma das moedas mais valorizadas de hoje – cada libra custa mais de R$ 6.

E tem mais: uma nota de R$ 10 tem valores bem diferentes ao longo do tempo. Por exemplo, em 1994, quando o Plano Real foi lançado, com esta nota dava para comprar 2 caixas de leite, 1 garrafa de óleo, 1 pote de margarina, 1 pacote de macarrão, 1 pacote de café, 1 pacote de feijão, 1 pacote de arroz, 1 quilo de carne, 1 quilo de açúcar, 1 quilo de farinha de trigo e ainda sobrava pro pãozinho*. Hoje, 1 quilo de feijão preto custa quase R$ 10.

*Dados do Dieese – fonte: https://investnews.com.br/infograficos/100-reais-no-inicio-do-plano-real-e-em-2022/#:~:text=Em%2028%20anos%2C%20valor%20corrigido,%24%2013%2C42%20at%C3%A9%20agosto.&text=Em%201994%2C%20no%20in%C3%ADcio%20do,na%20cidade%20de%20S%C3%A3o%20Paulo.

Isso ilustra muito claramente que o número que aparece na cédula – ou na sua conta bancária – não tem um valor fixo. Essa desvalorização da moeda é causada pela inflação, que por sua vez é causada pelo excesso de liquidez na economia. Agora vamos falar com outras palavras para simplificar.

Oscilação de preços

No livre mercado, o preço é formado a partir da relação entre oferta e demanda. Por exemplo: num lindo dia de sol, um guarda-chuva no camelô custa R$ 10, mas se começar a chuviscar no meio da tarde, mais pessoas vão procurá-lo e ele pode subir para R$ 12. Se o tempo fechar mesmo e cair um temporal, vai ter tanta gente querendo comprar que o camelô vai vender a R$ 15. E você pagaria até R$ 20 caso estivesse com seu laptop (afinal, se molhar o computador ele vai te custar milhares de reais, né?). Agora, se aparecerem mais cinco camelôs vendendo guarda-chuva, mesmo com temporal, você vai conseguir comprar a R$ 10, porque a oferta aumentou junto com a demanda e reequilibrou o preço.

Essa oscilação de preços constante é normal em diversos produtos e uma série de variáveis podem impactar. O álcool gel na pandemia dobrou de preço por causa da pressão da demanda. Daí várias empresas começaram a fabricar, aumentou a oferta e reequilibrou o preço. No caso dos alimentos, por exemplo, depende se a safra foi boa (mais oferta, preço menor) ou ruim (menos oferta, preço maior). Na tecnologia, é comum lançamentos custarem mais (porque há menos oferta e a demanda gosta de novidade), enquanto gadgets ultrapassados barateiam (já que há mais empresas produzindo). Mas para ser considerado inflação, é preciso que haja um aumento generalizados dos preços durante um período de tempo. Mas por que muitos produtos vão subir juntos, se cada um sofre influência de variáveis diferentes?

Inflação

Vamos contar outra parte da história. Quando a economia está indo mal e as pessoas estão ficando desempregadas e com salários achatados, se o governo decide “ajudar” dando muitas bolsas, auxílios e vales para as pessoas, isso vai aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, certo? Só que este é um dinheiro “artificial”, pois não foi gerado por aquela sociedade, foi apenas injetado nela. Teremos: pessoas com mais dinheiro no bolso querendo comprar, aumentando a demanda, e a mesma quantidade de produtos oferecidos, porque a oferta não cresceu. Daí, naturalmente, os preços ficarão mais caros. Essa injeção de dinheiro extra é o excesso de liquidez.

Se em vez de distribuir dinheiro, o governo melhorasse o ambiente de negócios, o lado da oferta iria crescer, o que gera emprego e renda que, por sua vez, faz o dinheiro circular mais, aumentando salários, por exemplo. Dessa forma, gera-se desenvolvimento econômico, beneficiando toda a sociedade, sem pressão inflacionária.

Crimes perversos

É por isso que imprimir mais dinheiro não soluciona o problema e ainda causa inflação. E é por isso que o roubo à Casa da Moeda, da série La Casa de Papel, é perverso. Porque ao imprimir mais euros simplesmente, os assaltantes estão aguando o valor dessa moeda. Porém, a desvalorização não é automática: apenas à medida que eles começarem a gastar este dinheiro que brotou do nada é que vai gerar pressão de inflação. E quem são as pessoas mais afetadas pela inflação? As de menor renda.

Mesmo exemplo do vídeo “Meta Fiscal” (https://www.youtube.com/watch?v=i7e4Lip2zj4&list=PLu6qpF9DMPlEPY5oTAOQIWEfCmhWMHV5F&index=9&t=526s): digamos que 10kg de alimentos (arroz, feijão, farinha, legumes e frango) custe R$ 100 para qualquer pessoa. Para quem ganha R$ 500, isso representa 20% do salário. Para quem ganha R$ 3.500, isso representa menos de 3%. Se o preço desses alimentos dobra, ele passa a pesar 40% no bolso do mais pobre e apenas 6% no do mais rico.

Por isso, a ideia de que roubar da Casa da Moeda é menos grave está completamente errada. Na verdade, será responsável por tirar o alimento da mesa da camada mais humilde da população. Assim como a atitude dos governos de imprimir mais dinheiro para injetar na economia de forma excessiva também causa o mesmo problema.

Para completar as ideias lá do começo do artigo, a corrupção praticada por um político é um crime muito grave também. Primeiro porque o dinheiro do governo não é “do governo”, mas sim das pessoas que recolheram seus impostos e o entregaram ao governo (mesmo que esses tributos tenham sido recolhidos sem que as pessoas tenham consciência, como acontece no caso das taxas embutidas no consumo). Daí, o político corrupto não está roubando do governo, mas das pessoas.

Segundo porque as pessoas pagam impostos ao governo sob a condição de que este gerencie o dinheiro da melhor forma para a população: ou seja, financiando educação, saúde, segurança, justiça. Quando a pessoa que recebe o voto de confiança da população para gerir o dinheiro do povo decide roubá-lo, os valores deixam de chegar aos hospitais, por exemplo. Daí o cidadão que paga impostos sofre um acidente, chega no pronto-socorro e não há como salvá-lo por falta de material ou equipe. Ou a criança pega uma doença grave no valão em frente a sua casa e morre porque o dinheiro para construir o saneamento básico não chegou – foi roubado. É bem violento, né?

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